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Pandemias

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No ano de 165, o império romano foi varrido por uma epidemia infecciosa curiosamente parecida com a COVID-19. Os sintomas iniciais da “peste antonina” eram febre, dor de cabeça, fadiga — começavam como a gripe que conhecemos e a transmissão se dava pelo contato e pelo ar.

Num certo número de casos a doença evoluía para uma forma grave, com feridas abertas por todo o corpo que viravam pústulas e crostas enegrecidas. A tosse inicial ficava violenta e os doentes punham sangue pela boca. A isso se seguiam provavelmente lesões pulmonares e a morte inevitável. Os pacientes graves sofriam tanto que rezavam para morrer rápido. Geralmente agonizavam por cinco dias ou mais.

A peste durou pelo menos 15 anos e dezenas de milhões de pessoas morreram. Atravessou os mares e contaminou toda a população do império romano do ocidente. Roma foi o epicentro, onde uma pessoa morreu a cada três. Os métodos de purificação disponíveis na época aliviavam os sintomas mais moderados, mas pouco tinham a resolver nos casos graves, como hoje.

Então a população, em pânico, virou-se para o seu líder. O imperador era Marco Aurélio, o “rei filósofo”. Estoico, Marco Aurélio acreditava que a melhor atitude diante de qualquer problema era não sucumbir ao desespero, e agir, em vez de simplesmente reagir aos acontecimentos.

Parte da filosofia estoica consiste em compreender que estamos à mercê de acontecimentos fora de nosso controle. Marco Aurélio agiu de acordo com essa convicção, e quando todos os ricos fugiram de Roma, ele resolveu ficar e fazer o que podia.

Apesar dos séculos de distância até nossas democracias modernas, Frank Mclynn, um de seus biógrafos, conta que Marco Aurélio agiu como o estadista mais competente: Ouviu conselhos, mobilizou médicos, suspendeu ou alterou a rota de viagens, cancelou todos os eventos públicos, evitou aglomerações, perdoou dívidas com o Estado, proibiu seus conselheiros de gastar qualquer quantia sem sua aprovação prévia. Por fim, ele foi em socorro da economia paralisada, confiscando dos ricos parte de sua fortuna, e resolveu vender o que podia do tesouro imperial, desde cristais, sedas, pepitas de ouro até as joias de sua esposa.

Durante toda a duração da praga, ele ordenou o treinamento e envio de soldados, médicos e sacerdotes. Comparecia pessoalmente a funerais e discursava, tentando tranquilizar a população em desespero, ensinando que “a alma se deixa tingir pela cor de nossos pensamentos”. Uma história famosa conta que um dia Marco Aurélio sentou-se na rua e chorou, após ouvir um homem dizer: “Bem aventurados aqueles que morrem pela peste!”. Apesar de sua imensa força interior, ele sentia pelas vítimas.

Eventualmente, o imperador também acabou vitimado pela peste. Morreu no ano 180, quando a pior etapa da epidemia havia passado, e garantiu a transição de governo para seu filho Cômodo, num dos dois únicos eventos de transição pacífica do império romano. Seu período de governo, apesar da calamidade, ficou lembrado como o clímax da “pax romana”.

Nas suas “Meditações”, Marco Aurélio escreveu: “Isto já aconteceu antes, e acontecerá novamente. O mesmo plano será cumprido, do início ao fim”. E assim também nós, hoje, vamos passar por isso mais uma vez. Nada disso é novo.

por Victor Tufani

1º de abril de 2020

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