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O mestre ensina pegando o aluno pela mão

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Lembrança do aniversário de Mestre Bimba

Hoje é aniversário do Mestre Bimba, um dos maiores capoeiristas de todos os tempos, campeão das artes marciais, grande educador, precursor da capoeira moderna e quem contribuiu definitivamente para a descriminalização da capoeira no país e a obtenção do seu estatuto como arte marcial afro-brasileira.

Mestre Bimba ganhou fama depois que desenvolveu uma atualização da movimentação típica da capoeira angola (tradicional dos escravos), privilegiando golpes traumatizantes e desequilibrantes e incorporando alguns movimentos do Batuque, uma outra luta afro-brasileira que já foi extinta. Seu jogo era extremamente rápido e eficiente, e ele começou a se inscrever em campeonatos de artes marciais que rolavam no Brasil pela década de 1920, derrotando lutadores de caratê, tae kwon do, boxe e outras modalidades. Imediatamente surgiu um grande número de pessoas querendo aprender sua luta, que era a capoeira, mas, proibida por lei, teve que ser chamada de “luta regional baiana”.

Ao longo do século XIX, na medida em que o movimento abolicionista ganhava força, o número de alforrias aumentou consideravelmente, por compra ou concessão (de maneira que quando a Lei Áurea finalmente foi sancionada, apenas uma pequena porcentagem dos negros ainda era escrava no Brasil), e muitas pessoas que deixaram de ser escravas ficaram “livres” sem nenhuma perspectiva de encontrar trabalho e sem nenhuma ajuda do Estado. A saída, para os que não voltavam às fazendas ou casas dos antigos donos trabalhando frequentemente apenas em troca de comida (e retornando a escravidão), era a marginalidade. Especialmente para os homens, que sequer faziam o trabalho de lavadeiras, arrumadeiras etc. — o fim gradativo da escravidão produziu um fenômeno de lares negros em que a mulher era a provedora e chefe de família. E a capoeira, que antes havia sido uma ferramenta de resistência aos assediadores de escravos, passou a ser uma ferramenta de desmobilização das polícias. Multiplicaram-se as maltas (grupos) de capoeiristas principalmente na zona portuária do Recife, em Salvador e em todo o Rio de Janeiro, cometendo pequenos delitos e praticamente imunes à ação policial. Os mais ligeiros e habilidosos suscitavam até histórias fantásticas, eram capazes de “sumir diante dos olhos” das pessoas, saltavam como gatos por cima dos muros e telhados, aplicavam golpes tão rápidos que surpreendiam até homens armados.

Assim, a “prática da capoeiragem” passou a constar no código penal brasileiro, com penas rigorosas que nem sempre eram aplicadas após julgamento, já que se sabe que muitas vezes, contra negros pobres e “arruaceiros”, a pena era aplicada pelos próprios policiais: Execuções a tiros ou por espancamento, até a bárbara prática que deu origem ao toque de cavalaria — amarrava-se o capoeira a dois ou três cavalos pelos braços e pernas, e os cavalos eram postos para correr em direções opostas, desmembrando o criminoso.

A fama de mestre Bimba correu o país e colocou o nome da capoeira até em jornais internacionais. Em 1937 ele foi convidado por Getúlio Vargas para um encontro que reconheceria a capoeira como arte marcial brasileira. Ela foi retirada do código penal na nova constituição, e a luta regional baiana acabou “rebatizada” como capoeira regional. Essa conquista também ajudou muitos outros mestres, como o mestre Pastinha, que pôde enfim legalizar sua academia de capoeira Angola em Salvador em 1941.

Mestre Bimba ensinou a capoeira regional até a velhice. Na sua academia, desenvolveu a disciplina necessária para desmarginalizar a capoeira: Não era permitido aos aprendizes fumar nem beber, nem podiam abandonar as aulas e fazer demonstrações públicas do que aprendiam ali. A tradição oral continua viva nas academias mais tradicionais de capoeira, e através dos seus discípulos, essas lições são passadas adiante até hoje. Eu mesmo aprendi assim: O mestre que me ensinou capoeira (mestre Celso) foi aluno de um aluno (mestre Artur Emídio) de mestre Bimba. E mesmo tantos anos depois da sua morte, mestre Bimba me ensinou que “a melhor defesa é a defesa”. Que os valentões são inúteis: “O homem inteligente leva a sério o seu próprio medo, respeita todos os seres, não compra briga nem provocação”. Que o bom capoeirista não precisa ser forte, mas deve ser “um raio”. E que não deve revelar o que sabe, porque a maior prova de habilidade de um capoeirista é a capacidade de surpreender.

por Victor Tufani

23 de novembro de 2018

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